segunda-feira, 26 de outubro de 2009

se for para continuar...

Sem dúvidas, não sigo,
Sem sombras, não enxergo,
Sem coragem, não toco,
Sem calor, não amoleço,
Sem esperança, repito,
Sem dor, não amo,
Sem entendimento, não prometo,
mas estou na chuva,
tentando nascer de uma gota,
de um lenço branco, molhado, resistindo ao vento,
me balançando entre caminhos de pedra e horizontes de baunilha,
sem substituições, reservas e curativos,
posso ir.

domingo, 25 de outubro de 2009

Os adultos podem ter medo do escuro nos domingos.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

O susto do amor

Havia se cansado do próprio silêncio, em seu ventre recuado de tristes lembranças, suas células faziam pimentas.
Era urgente dar nome àquela réplica de si, que vivia até agora se alimentando da própria fuga, como se não houvesse tempo ou idade. A aparente falta de desejo o resguardava de todos os males humanos, carências e deficiências que lhe eram insuportáveis enxergar. Todos os seus rios de orgulho e seus precipícios de indiferença queriam romper alto em seu estômago. Não havia mais possibilidade de digestão.
Pensar no esquema “tudo bem”, “vai passar”, “o tempo cura todas as feridas”, "o que não mata faz crescer" havia criado uma geleira em seu coração. Pensava nunca ter sentido dor e agora seria tarde demais para chorar, porém, dentro de seu corpo adormecido, uma voz suplicava outra, algo reclamava por sua alma que há tempos havia desistido de empurrar.
Era a solidão confinada, esperando a sensação deliciosa e trágica de amar a mercê da imperfeição, refém dos acidentes, enlaçada por erros e tentativas. Era uma criança desejando viver apesar das mentiras. Era a coragem tentando acreditar que amar pode ser como aceitar doce de um estranho sem precisar ter medo, mesmo sabendo ser um assalto.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Vírus

Preciso de um convite em outra língua,
talvez alguma infecção,
qualquer coisa que sorria para minhas veias.
Queria falar com os pássaros da árvore fincada em meu ouvido,
Queria ecrever ao som de mel e limão,
congelar a febre elétrica que corre na ponta de meus dedos,
e esse fogo na garganta.
Vivo num córrego insano,
impaciente e agudo que assombra minhas vias,
aguço meus fios,
estremeço,
estou farto de imunidades.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Walt Disney X Wila Pinto


Quarta feira, limbo da semana, meio caminho da vida. Acordo 7 hs e 30 min. Meu destino é um centro de atendimento para crianças no meio da vila Pinto. Sinto preguiça, eu sei por onde devo passar até chegar lá. É lixo, ruelas sem nome, crianças sem pais, passos entre o esgoto e o esquecimento. Chego no horário, mas elas iriam assistir à um filme da Walt Disney chamado "encantada". O filme inicia como desenho animado e trata de uma princesa que está prestes a se casar, quando uma bruxa a joga numa cachoeira com um fundo abismal, um lugar, segundo as palavras da bruxa, onde não existe "feliz para sempre". Ela é lançada à realidade. O que era uma princesa desenhada vira uma mulher de carne e osso (claro que a beleza se mantém). Ela sai de um bueiro e descobre um lugar barulhento, lotado, confuso, onde as pessoas não sorriem umas para as outras ou ficam cantando enquanto "passeiam" na rua. Aliás, hoje ninguém mais passeia!

Um professor me chamou para entrar no "cinema" e ver esse filme, uma criança me convidou para sentar ao seu lado. Eu sentei. Do meu lado haviam outras três, elas não pareciam interessadas no filme. Para minha surpresa elas queriam "ir conversar comigo" e disputavam entre sí quem iria primeiro (para quem não sabe, eu sou psicólogo). O que me intrigou é que a vida delas é muito pesada, então, segundo minha imaginação, elas, supostamente, deveriam querer mergulhar naquele filme. Viajar para aquele mundo protegido e ficar lá o máximo possível, naquela tela onde até o real era cheio de fantasia. Mas não! Elas queriam conversar comigo. Pasmei! Por conta desse pedido, pensei que a fantasia não preenche a carência de ninguém, apenas ilude, elas estavam dizendo que queriam contato humano verdadeiro, e não um encanto. Entendi também que amar é isso, desalojar-se desse lugar feito de espera, de ideais e imagens, é viver a dor de não ser para sempre o príncipe ou a princesa.

Pensei que estava sendo bem mais difícil eu querer encarar a realidade do que eles próprios; por cinquenta minutos senti vontade de ver o filme, esquecer daquele mundo imperfeito ao redor, me esconder e ser criança, e consegui ser por algum tempo. Depois fui chamado por eles da terra do nunca e foi muito bom voltar. Trabalhar numa vila com crianças mal cuidadas me faz querer poder dar todo meu carinho, esquecer um pouco da técnica e da neutralidade. É uma retroalimentação. Lá eu tenho a oportunidade de poder resgatar a criança em mim também, que, como eles teve a alma machucada. Uma criança com muito medo de ser rejeitada ou amada. Ao ser um pouco pai, um pouco amigo e depois terapeuta, alguma capacidade adormecida é despertada em mim.

Confirmei que ninguém precisa ser de vila para entender o sentimento de abandono, descuido ou agressão por parte de pais. Que criança não sentiu (em diferentes medidas, é claro!) desamparo e fragilidade como essas? A diferença é que para essas, há falta ou excesso de quase tudo. Elas aprendem cedo demais que "feliz para sempre" é uma ilusão. Por isso não queriam ver o filme. Elas entendem precocemente que felicidade é agora ou talvez nunca, é algo que urge sem momento certo; depende da sorte e é sempre por pouco. Um saber que poucos "adultos" realmente adquirem.

Estou acreditando que qualquer gesto sincero de carinho nesse mundo é um tesouro. Pensava que o mundo era frio e distante. Tinha até hoje acreditado nisso, então eu preferí me encolher, ser mesquinho e egoísta também. Já era hora de descobrir que fiquei com mais dívidas com o mundo do que ele comigo.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Mais uma da Maria

"O homem fica muito mais desamparado quando percebe que nem mesmo a linguagem tem o poder de transpor o abismo que o separa da natureza e que a tarefa solitária do poeta, por sua conta e risco, é dar nome ao Real: [Sem poesia, nada de realidade], escreveu Schlegel".

Maria Rita Kehl

Acho de uma libertação e alívio entender isso! Todos somos poetas tentando dar nomes ao Real. Uns mais, outros menos. Uma tarefa cheia de dúvidas e complexa. O Real é sempre um risco. Entretanto, mesmo sabendo dessa impossibilidade da linguagem, devemos continuar tentando, se aproximando, cercando esse peixe de escamas escorregadias chamado vida.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Nota do dia

A felicidade plena é uma crueldade.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Na companhia de sexta...

Sexta feira,
refresco à sombra,
acalento no sol,
que o dia seja cheio de ficar bem,
dia de pinçar do suor as possibilidades,
dia de não esperar outros,
de caminhar por seis minutos como se nada fosse acontecer,
nadar entre as folhas caídas da quase primavera,
mudanças no balanço,
sem pressa,
acreditar na felicidade.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Três pontos...

Choro,
Adeus nos olhos,
começo não é reinício,
conhecer é um jogo sem fim entre afastamento e reaproximação de si,
há enlaços correndo à beira da noite do coração,
o medo de se perder ou trancar é íntimo,
enfrentá-lo é ver os traços tortos expostos,
cair não é mortal.
Fé não é uma invenção,
tampouco uma palavra.
Que a última venha.