O fim de ano vem chegando e os olhos começam a lacrimejar. Cantando em meus ouvidos, John lennon sussura a pergunta: "o que você fez nesse ano"? Então sensações e lembranças rodopiam na retina e entregam um convite para o baile do balanço final.
Um ano ímpar, como diria minha amiga Nádia. Em anos ímpares nada termina arredondado, como se um desfecho feliz não fosse possível. Me encontro nessa reta derradeira, nadando contra um rio de possibilidades por fazer, onde tubarões e golfinhos convivem em aparente harmonia. Um ano que ficou sem par certo, dancei mais sozinho, dormi mais com meus travesseiros, cozinhei pra mim e lavei muita louça sem secar.
Nesse ano, entendi melhor que, às vezes, não afundar também é uma vitória. Manter o que obtivemos, bem como diminuir a frequência de atitudes e vícios que não nos levam a lugar algum requer uma constância e resistência que poucas pessoas conseguem enxergar e, então, facilmente apontam como falta de vontade ou ambição. Tentei resistir às soluções mágicas. Me esforcei para não dar tanto ouvido aos que exigem a obtenção de resultados numéricos no gráfico dos altos e baixos da vida.
Mas é hora de regular o foco, repensar o destino, imaginar o recomeço da vida, acreditar que é possível mudar mais, de novo. Tempo de entender que remoer mágoas é como mascar espinhos sem ajuda dos dentes. É hora de lembrar dos abraços e das lágrimas, de agradecer àqueles que tentaram ajudar, mesmo se não pudemos aproveitar suas mãos por vergonha, orgulho ou incompetência. Não é tarde para aceitar desculpas se fomos esquecidos e pedir desculpas se esquecemos. Às vezes um abraço basta, outras, um olhar não é suficiente, é necessário pedir falando. É também momento de tentar exorcizar os amores perdidos, àqueles sem desfecho do passado, ou os atuais que não correspondem para, então, voltar a caminhar sem todos os fantasmas que nos algemam. Aprendi que usar a meteorologia como desculpa gera uma tristeza polar. Por favor, não morram antes de viver sem desculpas.
Enfim, grande John, você quer saber o que eu fiz nesse ano? Eu dei minhas mãos a muitas crianças, acompanhei dores de pessoas que precisavam de filhos, de filhos que necessitavam de pais, brinquei no chão, girei dezenas de vezes a roleta do jogo, fui derrubado, rodei, rolei, lutei com espadas, chutei em gol, fui um pouco pai, psicólogo, professor e amador. Me defendi de bombas, perdi por W.O. e desisti cedo demais. Mostrei a língua, escrevi poesia e joguei fora um tempo precioso brigando sozinho e comigo. Perdi campeonato na última rodada, fui salvo pela minha irmã, chorei escondido, quis pular em queda livre, tentei reaver, revoltar, me separei e fui separado. Descobri novas músicas, cantei, fiz amigos "virtuais" que hoje vivem como se dividissem meu apartamento comigo. Trabalhei como um cavalo. Comprei um carro, renovei a carteira de motorista, consegui a cidadania polonesa. Conversei com a fé. Fiz uma oficina de poesia com um poeta maluco que pinta as unhas. E o mais importante, no fim, saí mais, arrisquei mais, comecei a fazer minha coragem tirar meus medos para dançar. Uma coragem desconhecida, que pode ser chamada, por alguns, singelamente, de amor.