terça-feira, 20 de outubro de 2009

O susto do amor

Havia se cansado do próprio silêncio, em seu ventre recuado de tristes lembranças, suas células faziam pimentas.
Era urgente dar nome àquela réplica de si, que vivia até agora se alimentando da própria fuga, como se não houvesse tempo ou idade. A aparente falta de desejo o resguardava de todos os males humanos, carências e deficiências que lhe eram insuportáveis enxergar. Todos os seus rios de orgulho e seus precipícios de indiferença queriam romper alto em seu estômago. Não havia mais possibilidade de digestão.
Pensar no esquema “tudo bem”, “vai passar”, “o tempo cura todas as feridas”, "o que não mata faz crescer" havia criado uma geleira em seu coração. Pensava nunca ter sentido dor e agora seria tarde demais para chorar, porém, dentro de seu corpo adormecido, uma voz suplicava outra, algo reclamava por sua alma que há tempos havia desistido de empurrar.
Era a solidão confinada, esperando a sensação deliciosa e trágica de amar a mercê da imperfeição, refém dos acidentes, enlaçada por erros e tentativas. Era uma criança desejando viver apesar das mentiras. Era a coragem tentando acreditar que amar pode ser como aceitar doce de um estranho sem precisar ter medo, mesmo sabendo ser um assalto.

3 comentários:

Fran disse...

Não é um assalto, mas é preciso render-se de qualquer forma. A pena à não rendenção pode ser a morte. Não a "morte matada" por algum tiro ou arma branca. Mas a morte do espírito, a eterna solidão. Então, renda-se! Ame! Ah... quantas coisas perdemos por MEDO de PERDER.

Nádia Lopes disse...

ah, Marcelo amar e se entregar á intimidade requer muita coragem e desprendimento. E é sim uma forma de assalto para o qual nunca nos sabemos preparados!
beijo e boa sorte...

marcelo disse...

Pois é Nádia! Tu sabe que eu havia pensado em mudar o fim do texto. Também acho que o amor é um assalto. Fica melhor e mais verdadeiro.
Oi Franciele, boa a tua visita. :) Perdemos muitas até ganhar uma, e quando ganhamos essa, nunca sabemos ao certo quanto tempo teremos. Mas como diria Deckard blade runner): "Alguém sabe"? Devemos pular.